O silêncio que a natureza transborda

Estou passando alguns dias na cidade e não sai da minha cabeça a música de Dominguinhos e Gilberto Gil: Lamento Sertanejo, cujo trecho que tem martelado em minha mente segue reproduzido abaixo.

Por ser de lá (…) do interior do mato (…) eu quase que não consigo | Ficar na cidade sem viver contrariado (…) eu quase não falo | Eu quase não sei de nada | Sou como rês desgarrada | Nessa multidão boiada caminhando a esmo.

A sensação é exatamente essa, de que estamos caminhando a esmo. Alijados de nossa capacidade de nos integrarmos com o meio, com o outro, com nós mesmos. Passando pelas ruas, pelas pessoas, pela natureza sem nos permitirmos uma conexão real a não ser com nosso celular, é claro. Na roça a gente proseia, conta causos, dá risada de coisas simples, a gente percebe a mudança no clima, como o sol ilumina e aquece os morros em locais diferentes dependendo da hora do dia. Na roça quando acaba a energia elétrica a gente não se aflige, tem a horta para aguar, o pomar para passear, o jardim para limpar, os bichos para interagir e tem o silêncio para nos acolher. Aqui na cidade as pessoas fogem do silêncio, parece até que o silêncio é um bicho assustador, quando na verdade o silêncio é nosso mestre, nosso guia, o espaço onde nos encontramos verdadeiramente com nossa percepção mais profunda, onde podemos tocar o todo do universo.

A meditação é uma prática que nos auxilia a criar uma relação mais saudável com o silêncio e isso é importante porque o silêncio é uma forma de fomentar o nosso autoconhecimento, quando a mente está tranquila nos permitimos ocupar a posição de observadores, de aprendizes, nos permitimos estar presentes e desfrutar do aqui e agora. Certa vez li que uma das coisas que mais drenam a nossa energia é a preocupação, ou seja, o fato de estarmos sempre nos ocupando com o futuro, que ainda não existe e que talvez não venha a existir, pelo menos não dá forma como o imaginamos, sendo assim nosso maior desafio, mas também nossa maior recompensa é conseguirmos estar na crista do momento presente. Pois quando alcançamos esta condição de presença é quando estamos verdadeiramente vivendo e nos nutrindo da vida.

Muitas das técnicas de meditação nos estimulam a sentar em silêncio e observar. É um exercício difícil, não vou negar, principalmente quando só o ato de permanecer sentado já é bastante desafiador, mas se permita assumir esse desafio, pouco a pouco tudo irá se tornar mais familiar, sentar-se, permanecer em silêncio, observar, e logo você será capaz de adotar uma postura meditativa em diversos momentos e não apenas quando se sentar com esse objetivo. E você pode estar se perguntando para que se dar a esse trabalho, eu diria que para ter a experiência única de estar aqui e agora, na crista no momento, dentro de si e ao mesmo tempo consciente do que o cerca, acredite é uma experiência espetacular, mas caso não acredite então terá que vivenciar para crer.

Joseph Goldstein expressa de forma muito preciosa e precisa esse caminhar inicial na trilha da meditação:

“Esteja profundamente atento aos pensamentos. Observe como eles surgem do nada e se dissipam no nada. Investigue a dor, entre nela. Exercite a mente sem medo, sem pensar em nada, mas com consciência silenciosa. Às vezes, durante a prática de meditação, pode parecer que nada acontece, exceto muita dor, inquietação, agitação e dúvida. Mas, na verdade, cada momento de consciência, cada momento de atenção plena, ajuda a enfraquecer a cadeia dos nossos apegos.”

É claro que o ato de sentar, de conhecer e praticar as técnicas meditativas são altamente recomendados, porém quando estamos em contato direto com a natureza e nos permitimos ser envolvidos pelo silêncio que ela transborda essa é uma experiência igualmente extraordinária. Talvez seja por isso que na roça falamos pouco, porque nos sentimos conectados e abraçados por esse silêncio que é repleto de vida, de saber, de sentir e diante de tamanha grandiosidade podemos perceber que de fato não sabemos de quase nada.

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